Volto a este diário/ registo passados quase 3 anos.
Porque a necessidade de registar este periodo e' imperativa.
E os outros medias nao me permitem fazê-lo de uma forma meditada.
Hoje e' o Dia 04 de Quarentena.
Dia 02 com os miúdos em casa sem escola.
83 dias to go... ( segundo as 12 semanas obrigatorias declaradas ontem).
Para ja' tudo bem.
Não têm havia desesperos em casa. Nem berros nem grandes chatices! Ao contrário do que temia.
Muito consciente que temos muito tempo a' nossa frente e que la' chegarao todas as birras e os berros.
Os dias tenho-os saboreado com uma semi-calma aparente...
Tem-me sabido bem não ter de sair confesso. Alinho mentalmente actividades que sempre atirei para o lado por falta de tempo e que agora posso fazer e isso so' por si da'-me alento e alguma calma.
Consigo agora como que por milagre sentar-me no sofa' e saborear o não fazer ponta!
Ir para a varanda pura e simplesmente desfrutar os raios de sol.
Tomar um banho de imersão.
Gostaria de dizer como ja' vários os fizeram que este tempo de quarentena parece ter sido delineado e conjecturado por forças divinas que depois de varias avisos sérios finalmente se fizeram ouvir. Um necessário "purge" como tenho dito...
Penso em todos os fogos em Austrália, nas tempestades por esse mundo fora, em todas as recentes calamidades e sinto que esta epidemia e' apenas o reflexo de um mundo cansado de nos avisar que alguma coisa tem de mudar.
"E o mundo de facto parou. E as pessoas vieram para casa. E como por mágica,algo invisível chegou e colocou tudo no lugar. "
Eu passei a ter tempo para fazer os trabalhos de casa com os meus filhos.
O trabalho deixou de ser prioritário.
Cortar o cabelo também.
Viajar ate' a' Costa do Marfim ou arreliar-me com o facto de o deveria fazer porque todos o fazem e' agora um pensamento ridículo. E essa tomada de consciência foi feita..
E não preciso de um carro para sair. E ninguém precisa agora. Muito menos 2 ou 3.
Os carros topo de gama alinham se nas garagens sem oportunidade de saírem.
De repente damos conta que estamos todos no mesmo barco, ricos e pobres. Que o dinheiro não tem importância nenhuma e nao compra ou prolonga vida a ninguém.
De repente damos conta que as fronteiras não fazem sentido, que tanta guerra a' volta de pedaços de terra e diferentes políticas são despropositadas. Desnecessárias.Ridículas.
Por muito que se chame país A ou B, que se guerilhe sobre apropriação e fronteiras, que defenda a inclusão ou não noutro sistema vizinho...a verdade e' que agora e finalmente os discursos convergem e assemelham-se, e a luta e' conjunta. Deixou de haver divisões. A linguagem e' uma so'.
Mas estarei a ser ridícula se não olhar para quem de facto está' a sofrer nesta luta sem nada poder fazer para travar o terrível destino que lhe foi confiado.
Quem nao tem o luxo de desfrutar este tempo com os filhos. Quem desfalece de cansaço sem a casa poder sequer regressar. Para quem todo o romanticismo a' volta de um apregoado mundo novo cai por terra. E o meu coração quebra...
Ja' tenho referido muitas vezes que a dor física de sentir o coração bater fora do corpo por alguém que esta' ausente ou inacessível e' verídica. .. e as minhas noites são difíceis...longas.
83 dias... e o mundo com toda a certeza nascerá' muito diferente.